Milhares de pessoas na Indonésia participaram de uma oração em memória das vítimas do tsunami que completa dez anos nesta sexta-feira (26) e deixou cerca de 230 mil mortos em vários países banhados pelo Oceano Índico.
Uma história que merce ser lembrada está a da família Basyariah, que ficou presa no andar de cima de uma casa, mas os parentes conseguiram escapar de uma forma espetacular, quando um barco arrastado pelas águas foi parar sobre o telhado da casa.
Em meio às telhas vermelhas das casas recém-construídas no vilarejo de Lampulo, há uma visão extraordinária: um enorme barco de pesca que repousa sobre duas casas.
A embarcação de madeira, com 25 metros de comprimento, tornou-se uma atração popular no roteiro turístico do tsunami. As placas apontam para Kapal di atas rumah, que significa ‘o barco sobre a casa’. No local, um texto detalha como a ‘arca’ improvisada salvou a vida de 59 pessoas.
Uma delas é a empresária local Fauziah Basyariah. “Se não tivesse sido por aquele barco, todos nós teríamos nos afogado, porque nenhum de nós sabia nadar”, ela conta.
Basyariah ainda cai no choro quando se lembra do dia da tragédia. “Não muito tempo depois do teremoto, as pessoas começaram a gritar que a água do mar estava chegando. Estávamos confusos, mas então vimos a água entrando em casa”, diz.
Ninguém entendeu o que estava acontecendo, ninguém havia passado por uma situação como a do tsunami antes. “Pensei que era o Dia do Juízo Final”, diz Basyariah.
Seu marido havia levado a moto da família para fazer compras, então ela tomou seus cinco filhos e começou a correr. Eles não podiam correr mais rápido do que a água, que subia rapidamente, então começaram a procurar abrigo em algum lugar alto.
O terremoto havia destruído várias edificações na rua, mas os seis conseguiram entrar em uma casa que ainda estava de pé e subiram para o segundo andar. Em pouco tempo, porém, perceberam que não seria alto o suficiente.
“Levou menos de um minuto para a água nos alcançar”, conta Basyariah. “A primeira onda estava muito escura, não sabíamos se era petróleo ou água”, diz.
Pouco depois uma segunda onda, ainda maior, chegou. A família estava presa. “Estávamos flutuando, com nossas cabeças tocando o teto e a água em volta dos nossos pescoços. Pensei que íamos morrer afogados”, diz Basyariah.
Então, pela janela, eles enxergaram algo esquisito: um grande barco de pesca avançando na direção deles. “As pessoas estavam gritando”, conta. “Mas então ele ficou preso em cima de uma casa e parou”, lembra.
Candida lembra, emocionada, da história de como se salvou da tragédia
Seu filho de 14 anos conseguiu fazer um pequeno buraco no teto e pulou para o telhado. Ele puxou o resto da família para fora, um a um, e todos entraram no barco. Outras pessoas se juntaram a eles.
“Quando cheguei no barco, eu só rezava e rezava”, conta Basyariah. “Agradecíamos a Deus pelo barco que nos salvou, mas mesmo o barco não era tão estável porque estava cheio de água, então ficamos nos segurando”, diz.
Eles observavam, sem ter o que fazer, enquanto várias casas em volta caíam, com pessoas ainda dentro. “Não havia nada que pudéssemos fazer”, diz Basyariah, enxugando uma lágrima do rosto.
“Apesar de ter passado dez anos do tsunami, quando falo sobre isso eu sinto como se tivésse sido ontem. Eu me sinto muito triste, e nunca vou esquecer disso”, conta.
Quando as águas baixaram, Basyariah e seus filhos foram morar em um vilarejo mais longe da costa, chamado Beurawe, mas eles continuavam voltando a Lampulo para procurar por seus familiares desaparecidos.
“Eu não sabia onde meu marido estava. E meus pais também – eles correram, mas eles eram muito velhos, e eu sabia que teria sido difícil para eles escapar”, diz. Ela nunca os encontrou.
Viúva, Basyariah se viu então responsável por sustentar cinco filhos sozinha. Enquanto ainda estava em acomodações temporárias, ela aprendeu novos trabalhos – como criar peixes, costurar e fazer bolos. E assim chegou à ideia de vender salgadinhos de atum seco.
Um ano após o tsunami, Basyariah abriu um negócio com um microempréstimo de 500 mil rupias (cerca de R$ 110). Ela hoje retornou a Lampulo, onde sustenta sua família e emprega outras mulheres na vila.
Do lado de fora da sua casa, um pouco para baixo do barco, mulheres embalam um atum seco que foi frito com alho e cebola. O aperitivo é chamado “tsunami de atum seco” e tem uma foto do barco na etiqueta. “Nós fomos salvos nesse barco, queríamos lembrar isso”, ela conta.
Há relatos de cerca de 15 barcos de pesca encontrados nos telhados de casas em Lampulo depois do tsunami, mas os outros já foram removidos.
Zulfikar, dono desse barco, concordou em deixá-lo ali como um “memorial”, apesar de tê-lo reformado pouco antes do tsunami. Naquele dia, ele tinha planos de sair para pescar.
Atualmente, o barco é reverenciado como uma “Arca de Noé”, mas serve também como uma eterna lembrança do que aconteceu.
“Todo mundo tenta tirar vantagem sobre o fato de o barco ainda estar aqui”, doz Basyariah. “Todos têm uma história diferente envolvendo o barco e como eles foram salvos por ele. As pessoas chegam até a inventar histórias.”
Ao redor do barco, apenas escombros e muita destruição
Além de atrair turistas, as memórias da tragédia em Banda Aceh também têm um papel educacional. Antes de 2004, poucos sabiam o que era um tsunami, então quando o mar começou a recuar antes da onda vir, as pessoas correram para pegar os peixes que ficaram na areia em vez de correrem para lugares mais altos.
Agora, as crianças na escola visitam os memoriais do tsunami e são ensinadas sobre os cuidados que devem ter caso situações como aquela voltem a ocorrer.
O tsunami em 2004 matou um número desproporcional de mulheres e crianças porque elas não sabiam nadar. Foram cerca de 45 mil mulheres a mais do que homens – em algumas comunidades, foram varridas gerações inteiras de crianças e idosos.
Conhecer os sinais que anunciam a chegada do tsunami salvou muitas vidas em Simeulue, uma ilha ao oeste de Aceh, onde apenas sete pessoas morreram quando a onda atingiu – um número minúsculo se comparado com os 167 mil que morreram em Aceh.
A geografia montanhosa da ilha ajudou, mas os moradores também se preveniram graças a uma história tradicionalmente contada na região, conhecida como smong.
De acordo com um relatório da Unesco, essas histórias contadas a crianças sempre terminavam com um aviso: “Se acontecer um forte tremor e se o mar se recolher logo em seguida, corra para as montanhas, porque o mar vai voltar rápido para a costa”.
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Fonte: BBC Brasil
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