No dia 11 de 1927 algumas pessoas que seguiam do povoado de Boa Esperança, davam conta aos proprietários rurais que um grande bando de cangaceiros, comandados pelo terrível Lampião, estava vindo pela estrada. As informações eram desencontradas e imprecisas, mas não era necessário muito entendimento para saber que o melhor era sair do caminho desta gente e todos diziam que “Lampião vem aí”.
Ao anoitecer daquele sábado, alguns assombrados retirantes informavam que o bando havia atacado Boa Esperança, provocando muitas desgraças e atingindo várias pessoas. Após deixarem a pequena vila, a turba de saqueadores encourados atacou a propriedade denominada Mombaça, do fazendeiro Frutuoso Gomes.
Através de informações do amigo Rivanildo Alexandrino, no período do ataque havia no lugar no máximo quinze residências. O bando de Lampião invade primeiramente a casa de José Gomes. Na residência de Frutuoso eles interrompem uma novena e em um inusitado gesto de boa vontade, procuram distribuir cortes de fazenda a população local, que foram roubados em Boa Esperança. Mesmo assim ocorreram espancamentos e saques.
Seguem depois para outras propriedades, mas Lampião tem a informação que o melhor está cerca de meia légua para frente e é uma fazenda denominada Cacimba de Vaca.
O seu proprietário, Joaquim Dias da Cunha, tido como homem de dinheiro, soube do avanço da tropa de sicários e não perdeu tempo. Pegou seu povo e suas riquezas e tratou de fugir. Esta fuga enraiveceu Lampião e o bando descontou a desdita numa extensa lista de depredações, um incêndio criminoso ao paiol de cereais e de utensílios rurais.
Na atualidade, em relação à residência de Joaquim Dias a mesma foi extensamente reformada, sendo completamente alterada, não deixando, mas nenhuma característica daquele período. Mas até a última reforma era possível, segundo seus atuais moradores, ver as marcas de balas na parte superior da edificação.
Em setembro de 2009 encontramos ainda altivo e extremamente animado e simpático, o agricultor aposentado Glicério Cruz. Vivendo em um antigo grupo escolar com sua família, Seu Glicério não se deixa abater pela precariedade de suas condições e dialoga animadamente sobre Lampião.
Para ele, que tinha quatorze anos na época do ataque, Lampião vinha “como o cão dos infernos”, quebrando e destruindo tudo pela frente. Ele e sua família, ao primeiro alarme da presença do bando na região, trataram de se abrigar no alto da Serra de Martins.
NOVOS ATAQUES
Na atual zona urbana de Lucrécia, as margens da RN-072, encontramos uma antiga casa bem preservada e que em setembro de 2009 havia sido recentemente pintada de branco. É a antiga sede da Fazenda Castelo.
Na noite de 11 de junho os bandidos adentraram casas de moradores, simples choupanas, onde o agricultor Raimundo Alves de Oliveira foi ferido a bala e só não passou desta para melhor porque se fingiu de morto. Infelizmente Raimundo carregaria pelo resto da vida um aleijão no braço atingido, decorrente do disparo.
Sobre a invasão da residência mais importante da propriedade não existem maiores informações. Inclusive chegamos a suspeitar que esta casa houvesse sido construída após a passagem do bando. Entretanto, ao buscarmos contato com as pessoas mais idosas na cidade, estas informavam não terem dúvidas sobre a antiguidade do lugar e que a mesma pertencia na época a Elias Leite. Esta informação é corroborada na página 73, do livro “Relação dos Proprietários e dos Estabelecimentos Rurais Recenseados no Estado do Rio Grande do Norte em 1920”, que aponta o mesmo lugar como pertencente a Elias da Silva Leite.
Além de sua localização excepcional, o seu estado de conservação é ímpar, sendo considerado um marco histórico por ser uma das residências mais antigas e precursoras da povoação.
Assobradada, com muitos cômodos, a residência se apresenta atualmente sem moradores, mas seus atuais proprietários estão mantendo o local em bom estado de conservação e, segundo os moradores mais idosos com quem tivemos oportunidade de conversar, preservando a originalidade.
No terreno ao lado da sede da fazenda Castelo se encontra uma bem preservada capelinha dedicada a Nossa Senhora da Guia. Já em relação a este local não foi possível saber se a mesma foi construída como uma promessa por alguma graça alcançada diante dos sicários.
Um último apontamento informa que o local foi utilizado para a fabricação de uma aguardente chamada “Castelo”.
O SOFRIMENTO DE EGIDIO E DONATILA LEITE
Egídio Dias da Cunha, e sua mulher, Donatila Leite Dias eram os proprietários do próximo alvo, a Fazenda Serrota, ou Serrota dos Leites.
Egídio soube da presença do bando na região, mas desdenhou do fato. Passava das onze da noite quando sua mulher lhe alertou haver escutado alguns tiros em direção à fazenda Castelo. Novamente o fazendeiro não aproveitou os avisos e não saiu da sua propriedade.
Logo a desgraça, na forma de um bando de cangaceiros fedorentos, batia a sua porta. Para Lampião foi uma satisfação saber que acabava de encontrar um dos filhos de Joaquim Dias, da fazenda Cacimba de Vaca e que agora poderia arrancar algum dinheiro do abastardo genitor de Egídio. Seu resgate foi avaliado em dez contos de réis.
Comentários existentes na região afirmam que a violência dos bandidos foi intensa, principalmente contra Donatila Leite. Móveis foram quebrados, baús foram destruídos, seus conteúdos espalhados. Os homens buscaram na cozinha alimentos e um pote de água foi quebrado na sala. Tudo foi revirado, vários objetos roubados e alimentos foram levados.
Outras duas casas da Serrota, as dos moradores Chagas Manoel e Raimundo de Paula Cosme, foram igualmente invadidas, com surras e saques dos moradores.
UMA PRETENSA RESISTÊNCIA
Com a saída dos cangaceiros do sítio Serrota e a prisão de Egídio, a notícia se espalha entre vários parentes e amigos. Logo um grupo de moradores da região decide com extrema coragem, sair em busca daqueles que pudessem ajudar a levantar a quantia estipulada por Lampião no povoado de Gavião, atual cidade de Umarizal, para soltar o popular Egídio.
O grupo era pequeno, com um número que aparentemente chega a quatorze e só quatro deles, Bartolomeu Dias, Francisco Canela, João “Bolacha” e Sebastião Trajano, eram os únicos que os pesquisadores do assunto apontam como possuindo rifles. O resto da tropa levava armas curtas, espingardas de soca e facões. Este grupo conhecia os caminhos, provavelmente confiavam no fato de ser período de lua cheia e que isto facilitaria o trajeto. A frente destes homens seguia Emídio Dias, irmão do sequestrado.
Enquanto se desenrolava esta situação, na região do sítio Caboré, cansados pelo deslocamento, esgotados pelas ações e pelo alto consumo de cachaça, o bando decidiu descansar, próximo ao casebre de um cidadão conhecido como José Alavanca, que atualmente não existe mais.
Por volta das três da manhã o grupo comandado por Emídio Dias chegou a esta casa humilde em busca de informações. O que eles não sabiam era que um cangaceiro, facilitado pelo luar, vigiava os movimentos do grupo.
No local conhecido como “Serrote da Jurema” foi armada uma emboscada pelo bando de experientes combatentes. Logo abriram fogo contra a incipiente tropa. Como resultado Bartolomeu Dias, Francisco Canela e Sebastião Trajano tombaram e o resto fugiu em franca debandada.
A vingança do bando de Lampião nos corpos dos amigos de Egídio foi terrível. No outro dia foram transportados em redes para Martins, feitos os exames cadavéricos e enterrados no cemitério local.
Para melhor entendimento, segue os laudos cadavéricos dos três homens mortos, através de material fornecido pelo pesquisador da cidade de Martins, Junior Marcelino.
AUTO DE EXAME CADAVÉRICO 1
Aos doze dias do mês de junho de 1927, nesta cidade do Martins, na Intendência Municipal, às dezessete horas, presente o Delegado de Polícia Tenente Abílio Campos, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão do seu cargo, abaixo nomeados os peritos Emídio Fernandes de Carvalho e José Ignácio de Carvalho Sobrinho, à falta de profissionais, e as testemunhas abaixo assinadas, todas residentes nesta cidade. Aquela autoridade tomou dos mesmos peritos o compromisso formal de bem e fielmente desempenharem a sua missão, declarando com verdade o que descobrirem e encontrarem e o que em suas convicções entenderem e encarregou-lhe que procedessem a exame no cadáver de Bartolomeu Costa Dias e que respondessem aos quesitos: 1º se houve morte; 2º qual o meio que a ocasionou; 3º se foi ocasionada por veneno, substância anestésica, incêndio, asfixia ou inundação; 4º se por sua natureza foi causa eficiente da morte; 5º se a constituição ou estado mórbido anterior do ofendido concorreu para tornar essa lesão irremediavelmente mortal; 6º se a morte resultou das condições personalíssimas do ofendido; 7º se a morte resultou não porque o mal fosse mortal e sim por ter o ofendido deixado de observar o regime médico reclamado pelo seu estado. Em consequência passaram os peritos a fazer os exames e investigações ordenadas e as que julgassem necessárias e concluídas as quais declararam: que examinando o cadáver de Bartolomeu Costa Dias, de vinte anos de idade, cor morena, e encontraram sete ferimentos, sendo dois deles na região palpebral direita e esquerda, dois nas regiões inferiores das pernas, todas produzidas por instrumento perfuro-contundente, dois ferimentos profundos nas regiões abdominais e hipocôndrio direito e outro nas regiões parietais direitos produzidos por projétil de arma de fogo em que responderam ao 1º quesito sim, houve morte; ao 2º por instrumento perfuro-cortante e projétil de arma de fogo; ao 3º negativamente; ao 4º, sim; ao quinto, sexto e sétimo ( 5º, 6º e 7º ) não. E são estas as declarações, que debaixo de compromisso prestado têm a fazer. E por nada mais haver, deu-se por concluído o exame, ordenado e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escrito, assinado e rubricado pela autoridade, assinado pelos peritos e testemunhas, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão, o assinei e assino.
Processo-crime contra Virgulino Ferreira e outros instaurado na Comarca de Martins/RN, 1927, fls. 09/11.
LAUDO DE EXAME CADAVÉRICO 2
Aos doze dias do mês de junho de 1927, nesta cidade do Martins, na Intendência Municipal, às dezessete horas, presente o Delegado de Polícia Tenente Abílio Campos, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão do seu cargo, abaixo nomeados os peritos Emídio Fernandes de Carvalho e José Ignácio de Carvalho Sobrinho, à falta de profissionais, e as testemunhas abaixo assinadas, todas residentes nesta cidade. Aquela autoridade tomou dos mesmos peritos o compromisso formal de bem e fielmente desempenharem a sua missão, declarando com verdade o que descobrirem e encontrarem e o que em suas consciências entenderem e encarregou-lhe que procedessem a exame no cadáver no cadáver de Sebastião Trajano e que respondessem aos quesitos: 1º se houve morte; 2º qual o meio que a ocasionou; 3º se foi ocasionada por veneno, substância anestésica, incêndio, asfixia ou inundação; 4º se por sua natureza foi causa eficiente da morte; 5º se a constituição ou estado mórbido anterior do ofendido concorreu para tornar essa lesão irremediavelmente mortal; 6º se a morte resultou das condições personalíssimas do ofendido; 7º se a morte resultou não porque o mal fosse mortal e sim por ter o ofendido deixado de observar o regime médico reclamado pelo seu estado. Em conseqüência passaram os peritos a fazer os exames e investigações ordenadas e as que julgassem necessárias e concluídas as quais declararam: que examinando o cadáver de Sebastião Trajano, de trinta anos de idade, de cor morena, encontramos um ferimento na região torácica interna (lado esquerdo) atingindo o coração, produzido por projétil de arma de fogo, e que, portanto, responderam ao 1º quesito sim, houve morte; ao 2º arma de fogo; ao 3º negativamente; ao 4º, sim; ao 5º, 6º e 7º, não. E são estas as declarações, que debaixo de compromisso prestado têm a fazer. E por nada mais haver, deu-se por concluído o exame, ordenado e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escrito, assinado e rubricado pela autoridade, assinado pelos peritos e testemunhas, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão, o assinei e assino.
Processo-crime contra Virgulino Ferreira e outros instaurado na Comarca de Martins/RN, 1927, fls. 11/13.
LAUDO DE EXAME CADAVÉRICO 3
Aos doze dias do mês de junho de 1927, nesta cidade do Martins, na Intendência Municipal, às dezessete horas, presente o Delegado de Polícia Tenente Abílio Campos, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão do seu cargo, abaixo nomeados os peritos Emídio Fernandes de Carvalho e José Ignácio de Carvalho Sobrinho, à falta de profissionais, e as testemunhas abaixo assinadas, todas residentes nesta cidade. Aquela autoridade tomou dos mesmos peritos o compromisso formal de bem e fielmente desempenharem a sua missão, declarando com verdade o que descobrirem e encontrarem e o que em suas consciências entenderem e encarregou-lhe que procedessem a exame no cadáver no cadáver de Francisco Canela e que respondessem aos quesitos: 1º se houve morte; 2º qual o meio que a ocasionou; 3º se foi ocasionada por veneno, substância anestésica, incêndio, asfixia ou inundação; 4º se por sua natureza foi causa eficiente da morte; 5º se a constituição ou estado mórbido anterior do ofendido concorreu para tornar essa lesão irremediavelmente mortal; 6º se a morte resultou das condições personalíssimas do ofendido; 7º se a morte resultou não porque o mal fosse mortal e sim por ter o ofendido deixado de observar o regime médico reclamado pelo seu estado. Em consequência passaram os peritos a fazer os exames e investigações ordenadas e as que julgassem necessárias e concluídas as quais declararam: que examinando o cadáver de Francisco Canela, de quarenta anos de idade, cor morena, encontraram três ferimentos, sendo um na região nasal produzido por faca de ponta, dois na região torácica lateral direita e esquerda, produzidas por um projétil de arma de fogo, e que, portanto, responderam ao 1º quesito sim, houve morte; ao 2º por instrumento perfuro-cortante e projétil de arma de fogo; ao 3º negativamente; ao 4º, sim; ao 5º, 6º e 7º, não. E são estas as declarações, que debaixo de compromisso prestado têm a fazer. E por nada mais haver, deu-se por concluído o exame, ordenado e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escrito, assinado e rubricado pela autoridade, assinado pelos peritos e testemunhas, comigo Antônio Inocêncio de Oliveira, Escrivão, o assinei e assino.
Processo-crime contra Virgulino Ferreira e outros instaurado na Comarca de Martins/RN, 1927, fls. 13/15.
Apesar de todo empenho em buscar ajudar o amigo Egídio, o que o grupo não sabia era que a sua ação era inútil. Algum tempo antes, no bivaque armado pelos bandidos, em meio ao cansaço generalizado da tropa de Lampião, o sequestrado Egídio conseguiu fugir para o meio do mato.
MEMÓRIAS DE UMA NOITE DE TERROR
Seguramente Lucrécia é um dos locais onde a memória da jornada de Lampião pelo Rio Grande do Norte é mais trabalhada.
Especificamente em relação as propriedade Cacimba de Vaca e Castelo, apesar da comprovação da passagem do bando por estes locais, este fato não é muito comentado e nem tão lembrado como é nos sítios Serrota e Caboré.
Segundo os membros da família Leite, que até hoje habitam a tradicional propriedade, a velha casa onde padeceram Egídio e Donatila é sempre visitada por pessoas que desejam conhecer mais da passagem do bando pela região.
Para a família Leite estas visitas ocorrem pelo fato da proximidade da sua região com a cidade turística de Martins. Os guias de turismo apontam a região próxima ao sítio Serrota como um interessante local para visitação. Além dos fatos históricos e a proximidade com Martins, existe outro fator para ocorrer esta situação, a preservada casa de Egídio está distante apenas 300 metros da RN-072 e a família Leite se desdobra em atenção para aqueles que desejam conhecer estes fatos.
A própria comunidade de Lucrécia ofertou a família uma placa onde o dístico é bastante claro sobre a maneira como as pessoas da região definem as figuras de Egídio e Donatila, “heróis”. Inclusive esta foi a palavra mais utilizada pelas pessoas da região ao comentarem sobre o caso. A família Leite apresenta esta placa com extremo orgulho.
Ainda em relação à Donatila Leite, busquei dialogar diretamente com a família, que não fez nenhuma restrição às dúvidas que tinha, em relação a uma informação delicada e negativa.
Segundo várias pessoas que entrevistei nas cidades de Antônio Martins, Martins e Lucrécia, Donatila teria sido sumariamente violentada por vários membros do bando, inclusive o próprio Lampião.
Tida como uma mulher bonita na sua juventude, este pretenso estupro coletivo ocorreu devido à raiva do chefe cangaceiro diante da fuga do pai de Egídio, o fazendeiro Joaquim Dias da Cunha da sua propriedade Cacimba de Vaca. O ato abominável e covarde teria sido realizado diante do marido, que foi obrigado a ver as cenas terríveis.
Existem variadas versões que comprovariam o fato. A mais corrente informa que no outro dia após o ataque, Donatila teria subido a serra transportada em uma rede, seguido para a cidade de Martins para se tratar com o único médico existente na região. O seu estado era deplorável e a mesma ficou em situação delicada por um tempo superior a dez dias.
Para a família é tudo invencionice. Realmente Donatila subiu para Martins em uma rede, mas foi por fatores mais do que lógicos diante de tão terrível situação. Ela foi ficar junto do marido, que seguiu para esta cidade com o intuito de se recuperar da verdadeira “surra” de espinhos que levou ao fugir do bando na madrugada. Certamente que Egídio não poderia deixar de participar do sepultamento dos três amigos que morreram tentando salvar a sua vida, além de prestar esclarecimentos às autoridades. O fato de Donatila subir a serra de Martins em uma rede se devia ao seu abalado estado psicológico, sendo esta prática de transportar enfermos para o alto da serra, uma situação comum no passado.
Para mostrar quanto nada disto era verdade, a própria família Leite me deixou reproduzir a fotografia anterior, onde vemos Egídio e Donatila na década de 1940 ou 1950, em meio a muitos familiares, vivendo na mesma casa do sítio Serrota.
Mesmos para aqueles que afirmaram ter Donatila Leite sido sucessivamente sido violentada por vários cangaceiros, são unânimes em apontar que ela viveu tranquila, sem rancores em relação ao possível fato e era tida como uma ótima pessoa. Para a família esta é mais uma prova que nada relativo ao que se comenta realmente ocorreu. Para eles, se Donatila tivesse sofrido a terrível violência sexual que muitos afirmam, em uma época “onde tudo era atrasado e difícil”, ela não teria sido uma mulher que viveu de forma feliz e tranquila.
A LEMBRANÇA DOS TRÊS HERÓIS
Se Donatila Leite conseguiu viver, os três amigos de seu marido não tiveram a mesma sorte. Mas igualmente não foram esquecidos pela comunidade.
Ao realizar o trabalho de pesquisa na região, ficou patente que a morte de Bartolomeu Dias, Francisco Canela e Sebastião Trajano é um dos fatos mais conhecidos e mencionados por pessoas de diversas idades, relativas a passagem do bando de Lampião.
Autores afirmam que o grupo de homens que seguiu do Sítio Serrota, não desejavam o enfrentamento com os cangaceiros e nem resgatar Egídio Dias em um primeiro momento. A intenção deste grupo era o de autoproteção, para assim seguirem até a povoação de Gavião e de lá trazerem o valor do resgate do fazendeiro. Entretanto para todas as pessoas com quem dialoguei, estes são categóricos em afirmar que a intenção destes homens era “salvar Egídio”, ou assim foi como ficou preservada em suas memórias.
Das cidades de Antônio Martins a Felipe Guerra, em inúmeros locais, ouvi vários comentários elogiosos a valentia, a intenção destemida e magnânima destes homens em salvar um amigo. Isso tudo diante do bando do maior cangaceiro que o Brasil já viu. Um inimigo experiente, mais forte em número de armas e de combatentes.
Para o povo da região, estes três homens são heróis.
As margens da rodovia estadual RN-072, na comunidade Caboré, se encontra um marco, conhecido como “A cruz dos três heróis”, aonde o povo de Lucrécia e da região vêm àqueles que agora são conhecidos apenas como “Os Canelas”, ou os “Heróis de Caboré”.
Apesar do empenho do povo de Lucrécia em manter viva a memória do sacrifício destes três homens, o local onde a cruz se encontra é perigoso para aqueles que desejam parar algum veículo, com a intenção de fotografar o monumento. Este fato ocorre devido à inexistência de um acostamento as margens da pista de asfalto, ou de uma área apropriada para estacionamentos. Outra dificuldade para o pretenso visitante é a falta de uma placa de sinalização posicionada antes do monumento, nos dois sentidos da estrada. A inexistência desta indicação mostra para muitos motoristas que aquele monumento mais parece destinado a homenagear pessoas que morreram em algum acidente automobilístico e não em um combate contra o bando de Lampião.
Se o visitante não tiver cuidado, é provável que a próxima cruz na beira da estrada seja a dele.
UMA PEÇA DE TEATRO MARCA A MEMÒRIA LOCAL
Finalizando encontramos neste município uma das poucas expressões teatrais que trata do tema ligado a passagem de Lampião e seu grupo, encontrada em todo o trajeto percorrido.
Atualmente o sítio Caboré é uma comunidade rural em expansão, neste local atua uma organização denominada Grupo Juventude Unida de Caboré, que surgiu há 17 anos com o intuito de mobilizar os jovens da localidade em torno de atividades sociais diversas. Uma destas atividades é voltada para a participação no desenvolvimento da cultura local, utilizando principalmente o teatro como ferramenta e meio de expressão. Em 2006, com o apoio da Fundação Laura Vicunha, sete integrantes do Grupo Juventude Unida de Caboré participaram de uma oficina teatral ministrada pela Universidade Católica de Brasília e deste aprendizado surgiu o grupo de teatro denominado “Tribo da Terra”.
Esta trupe foca sua atuação em diversas temáticas voltadas na própria realidade da comunidade, dentre estes os fatos que envolveram a sua história. Neste sentido, o grupo desenvolveu uma peça teatral denominada “Na boca do povo e das almas”, onde trata exclusivamente dos trágicos episódios vividos em junho de 1927. A peça é dividida em três atos, onde o público conhece a história da comunidade na época da passagem do bando, as ações dos cangaceiros e a reação da comunidade enaltecendo a ação dos “Heróis de Caboré”.
Não tivemos a oportunidade de assistir esta peça, mas foi possível em um momento de diálogo com este grupo de teatro, liderados pela estudante de pedagogia Adriane Maia Dias conhecer mais desta iniciativa interessante. Os ensaios do grupo ocorrem na ADCRC – Associação de Desenvolvimento Comunitário de Caboré.
fonte tok de HISTORIA.
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